O adeus de um craque incomparável

Alex - 28.3.2015Imagem: Beneclick

Poucas horas depois da conquista do título brasileiro de 2003, perguntei ao maior craque do melhor Cruzeiro de todos os tempos:

– O Alex teria vaga naquele time?

E Tostão me respondeu, de pronto:

– Ele teria de jogar na minha posição ou na do Dirceu e acho que está no mesmo nível da gente. Como jogávamos com um volante, o Piazza, dois meias, o Dirceu Lopes e eu, dois pontas e um centroavante, poderíamos também tentar uma mudança tática para encaixar o Alex sem tirar um de nós dois.

Haverá elogio maior ao regente daquele Cruzeiro campeão de 2003?

Os craques sempre se rendem ao talento incomum deste meia que, em três passagens anteriores pelo Palmeiras, brilhara com igual intensidade e por isso será homenageado hoje à noite, em reconhecimento raro no nosso futebol, com um jogo oficial de despedida no Allianz Parque. Devidamente autorizado por Ademir da Guia, a quem se achou no dever de pedir permissão, Alex vestirá a camisa 10.

Basta conferir uma pequena parte da lista de craques que confirmaram presença na festa para entender a importância de Alex na história do nosso futebol: além do próprio Ademir, estarão lá Djalminha, Edmundo, Evair, Felipe, Gamarra, Júnior, Leonardo, Marcos, Rivaldo, Zico e Zinho.

Os muito palmeirenses que me perdoem, mas, dentre os vários textos que já escrevi sobre este craque marcado por certa aura intelectual, hoje acentuada pelo ar grave que lhe impõem os óculos de grau e pela lúcida atuação como um dos líderes do Bom Senso, reproduzo, a seguir, A bola pequenina do craque Alex, publicado no site NoMínimo uns quatro meses antes de ele se sagrar campeão brasileiro de 2003.

 A bola pequenina do craque Alex

Roberto Benevides/NoMínimo – 29/7/2003

    O Cruzeiro já disputou e ganhou, nesta temporada, o Campeonato Mineiro e a Copa do Brasil e, a uma rodada do encerramento do primeiro turno, lidera o Campeonato Brasileiro, com 46 pontos ganhos em 22 jogos, dos quais venceu 14, empatou quatro e perdeu quatro. Foram as únicas derrotas do time nesta temporada. Uma coisa, porém, é o Cruzeiro. Outra é seu maior craque, o meia/atacante Alex, que só perdeu um jogo desde o começo do ano — o 0 a 1 contra o Figueirense, em Florianópolis.

    Alex também jogou — pouco tempo, é verdade — pela Seleção Brasileira na Copa das Confederações. E ficou de fora da derrota pra Camarões. Incrível é que muita gente ainda discute, em botecos e redações do País afora, se o camisa 10 é ou não é craque. Ele não repete na Seleção as atuações que tem nos times, dizem uns. Não jogou nada no Flamengo nem chegou a vestir a camisa do Parma, dizem outros. Desliga-se facilmente durante os jogos, reclamam uns e outros. Críticos tão renitentes não devem estar vendo o Cruzeiro e seu craque trucidando, de um em um, os adversários que se colocam em seu caminho.

    Até agora, pelo menos, Alex é o craque desta temporada brasileira. Os números apenas mostram parte desta verdade que tem o endosso entusiasmado do maior craque cruzeirense de todos os tempos, o incomparável Tostão. “A diferença de Alex para muitos talentosos jogadores é que, enquanto os outros tentam durante toda a partida, driblam, chutam, passam, caem, levantam e muitas vezes se destacam, Alex joga sempre em pé, olhando para a frente, tocando a bola e esperando o momento certo para brilhar”, escreveu Tostão, ele mesmo um clássico cultor do futebol “simples, fácil e conciso” que atribui ao camisa 10 do atual Cruzeiro.

    Pode-se até dizer que o sempre comedido Tostão exagera ao confessar que nutre “suspeitas de que o Alex tem um olho atrás da cabeça” antes de concluir: “É o olho do craque.” Pode ser. Certeza é que o jovem craque, que vai completar 26 anos em 14 de setembro, antevê os lances e, por isso, joga com extrema facilidade, dando trato à bola em poucos toques, sempre sutis e precisos, herança evidente dos tempos em que se divertia nas quadras de futebol de salão — o tal futsal que o Brasil, até agora em vão, tenta emplacar como esporte olímpico.

    Quem o vê em campo, sempre tão frio e muitas vezes aparentemente alheio ao que se passa em volta, talvez não se dê conta de quanto ele se divertia nas quadras. Sem rodeios, Alex já admitiu, há três anos, em entrevista ao repórter e comentarista Paulo Vinícius Coelho: “Eu não gostava do campo, não me dava prazer.” Gostava mesmo era de ir e vir com a bolinha pesada do futsal entre adversários atônitos, quando não atarantados, com seus dribles curtos, passes precisos e chutes certeiros.

    Nesta paixão pelas quadras talvez se esconda uma certa aversão às longas distâncias que um meia tem de percorrer, várias e várias vezes, em cada jogo disputado no gramado. E um dos grandes segredos da forma atual de Alex está na percepção pelo técnico Wanderley Luxemburgo do papel que melhor lhe cabe no futebol moderno. Alex é o terceiro atacante do Cruzeiro, parcialmente desobrigado das funções defensivas que normalmente cabem aos homens do meio-de-campo, tendo por obrigação precípua clarear o caminho do gol para Aristizábal e Mota (agora que Deivid foi embora e Alex Dias ainda não começou a trabalhar) ou marcar, ele próprio, os gols.

    De novo os números mostram que Luxemburgo está certo. Certíssimo, até. Alex já fez nove gols neste Campeonato Brasileiro, sem condenar à abstinência os companheiros de ataque, como acabam fazendo outros meias goleadores do nosso futebol. Muito pelo contrário: Deivid embarcou para o Bordeaux na condição de principal artilheiro do campeonato, com 15 gols, e Aristizábal é atualmente o quinto na lista da artilharia, com 14 gols, apenas três a menos do que Dimba, do Goiás, o líder do pelotão.

    A outra razão do sucesso atual de Alex é de ordem física. Como ele faz questão de lembrar aos fãs e críticos, este é o primeiro ano desde que saiu do Palmeiras pela primeira vez, em 2000, em que conseguiu fazer o trabalho de pré-temporada, preparando-se adequadamente para as múltiplas competições que o Cruzeiro vem disputando com total sucesso. Afinal, mesmo os craques precisam estar fisicamente bem para render tudo o que sabem.

    Não há dúvida de que Alex, que tanto sabe, está jogando tudo. Que a bola grande dos campos agradeça, então, à pequenina pelota das quadras a arte deste craque de futebol simples e nome complicado, Alexsandro de Souza.

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