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O bailarino que desmonta o tic-tac dos espanhóis

Neymar ensaia carretilha diante de Bustinza

Neymar ensaia carretilha diante de Bustinza, do Athletic Bilbao

Imagine Garrincha jogando em campos espanhóis, parando diante de laterais e zagueiros com a bola aos pés para fingir que ia sair em disparada, deixando-os correr atrás da alucinação enquanto ele, parado, os esperava de volta para, então, entortá-los com um drible desmoralizante e arrancar rumo ao gol ou à linha de fundo para o cruzamento perfeito que um companheiro finalizaria em gol.

– Não me parece nada elegante e nada esportivo – diria um Juan daqueles tempos.

– Se eu fosse jogador do time deles, teria reagido igual ou pior, mas no Brasil isso é normal – diria o treinador de sua equipe, desculpando pontapés e safanões disparados contra ele pelos adversários.

Sim, o drible, o chapéu, a carretilha, o gol de letra, a firula são normais no Brasil, berço da mais vitoriosa e invejada escola do futebol em todo o vasto mundo da bola, menos nesta Espanha que cultiva o tic-tac como se fosse a verdade única de um esporte que é o que é porque une, como nenhum outro, espírito coletivo e criatividade individual.

É verdade que o tiqui-taca, consagrado pelo Barcelona de Pep Guardiola e assumido em feição menos objetiva pela seleção de Vicente del Bosque, deu ao futebol espanhol os títulos europeus e mundiais de clubes de 2009 e 2011 e fez da Espanha a campeã do mundo em 2010.

Convém lembrar, porém: o Barça tinha e tem Messi, a seleção faturou o caneco na África do Sul com uma derrota e seis vitórias, quatro delas por 1 a 0, marcando apenas oito golzinhos em sete jogos, recorde negativo na história das Copas.

Nem todos curtem o estilo excessivamente baseado no toque de bola, mas pouco inventivo e avaro em gols. O alemão Franz Beckenbauer, um dos maiores craques do futebol em todos os tempos, campeão do mundo como jogador  em 1974 e como técnico em 1990, presidente de honra do Bayern, parece sintetizar a opinião dos críticos quando debochou da contratação de Guardiola pelo clube:

– Provavelmente, terminaremos jogando como o Barcelona e ninguém vai querer nos ver.

O Barcelona mudou muito, hoje é bem mais esfuziante, privilegia o espetáculo, goleia, goleia, goleia e brilha nos pés de Messi, Suárez e Neymar.

Os espanhóis não perdoam, porém, que o jovem craque brasileiro abuse do talento no confronto direto com seus marcadores. Até Luis Enrique, o treinador atual do Barça, reagiu criticamente à carretilha com que Neymar ensaiou um chapéu em Bustinza no final dos 3 a 1 de ontem sobre o Athletic Bilbao e apoiou a reação histérica dos adversários:

– Se eu fosse jogador do Athletic teria reagido igual ou pior ao que fez o Neymar, mas no Brasil isso é normal.

Ainda bem que o moleque de 23 anos não está nem aí para tanta ranzinzice:

– É o meu jeito de jogar. Não vou mudar o meu futebol porque alguém ficou estressado. Foi um drible como qualquer outro.

Sobre Neymar, estes espanhóis ranzinzas deveriam ler o brasileiro Sérgio Rodrigues, autor de O Drible, que escreveu certa vez:

– Neymar é a mais rara das aves na fauna do futebol: um bailarino-artilheiro, um malabarista que esbanja invenção sem jamais perder de vista que, se a arte é bem-vinda no futebol, só costuma virar obra-prima quando a rede balança.

Barça quer tudo, mas tem de poupar energia

Neymar poupa energiaNem Neymar reclamará se Luis Enrique voltar a fazer rodízio no BarçaImagem: Beneclick

Messi, Neymar e Suárez estão sobrando na linha de frente e, embora se critique pelas atuações nem sempre brilhantes ao longo da temporada, Iniesta está voltando a jogar tudo o que sabe. O momento do Barcelona é tão bom que o técnico Luis Enrique fala sem falsa modéstia:

– Creio que o melhor ainda está para vir. Os jogadores trabalharam arduamente durante esta temporada para estarem na luta por todos os títulos. Seria um objetivo pouco ambicioso chegar apenas às semifinais da Liga dos Campeões. Nossa ambição, tendo em conta todo o trabalho árduo e os jogadores que temos, é ir além.

Ou seja: o Barça de Luis Enrique aposta numa vitória sobre o Bayern de Pep Guardiola para decidir o título europeu em Berlim com o Real Madrid, atual campeão, ou a Juventus. E quer mais. Quer vencer também as outras competições que ainda está disputando – o Campeonato Espanhol, que lidera, e a Copa do Rei, que decidirá contra o Bilbao no dia 30 de maio.

Para tão grande ambição são igualmente grandes os riscos. Nos próximos 19 dias, começando nesta terça, 28, o Barça enfrentará o Getafe, o Córdoba, a Real Sociedad e o Atlético de Madrid na defesa de seus dois pontos de vantagem sobre o Real no Campeonato Espanhol e duas vezes o Bayern na disputa da vaga na final da Liga dos Campeões.

Nem Neymar vai reclamar se Luis Enrique mais uma vez resolver fazer um rodízio na escalação.

Afinal, se o Real Madrid também tem uma agenda apertada pela frente, os outros dois semifinalistas da Liga dos campeões já garantiram tranquilidade no front interno: o Bayern ganhou o caneco alemão ontem, e a Juve lidera o Campeonato Italiano, 14 pontos à frente da vice-líder Lazio, faltando apenas seis rodadas para a festa em Turim.

É verdade, em triste compensação, que o Bayern só agora está voltando a contar com Schweinsteiger e ainda não sabe quando terá Robben e Ribéry. E o Juventus programa o retorno de Pogba somente para o segundo jogo contra o Real.

Para lutar “por todos os títulos”, como exige Luis Enrique, o Barça terá de poupar energia pois, na bola, está sobrando.